quarta-feira, 14 de outubro de 2009

DECISÕES RECENTES PROCEDENCIA EM REPETIÇÃO INDEBITO PIS/COFINS

Vistos etc.

GERTA KAFER, ingressou com a presente ação ordinária contra a BRASIL TELECON S. A., afirmando que a requerida tem repassado indevidamente os valores atinentes as contribuições do PIS e COFINS sobre os serviços que fornece. Sustenta que a conduta é ilegal porque implica em repasse jurídico dos tributos. Fundamenta o pedido na legislação tributária e na violação ao Código de Defesa do Consumidor. Pede liminarmente a inversão do ônus da prova, e exibição de documentos. Propugna pela procedência do pedido para condenar à requerida a restituir os valores indevidamente repassados. Juntou mandato e documentos de fls. 13 a 19.
A liminar foi indeferida (fl.21).
Citada, a ré apresentou contestação alegando em preliminar a falta de interesse de agir. No mérito, sustenta a ocorrência de prescrição. Indica que o prazo prescricional é de três anos, aplicando a regra do art. 206, § 3º, IV, do CCB. Em relação a incidência dos tributos nos valores cobrados dos consumidores, a requerida apregoa a regularidade da prática. Justifica sua tese na possibilidade legal do repasse e na previsão contida no contrato de concessão firmado com concessionária dos serviços. Refere que não repassa os tributos, mas os encargos conseqüentes à sua incidência que compõem os custos dos serviços prestados e tais valores cobrados são homologados pela agência reguladora e estão previstas no contrato de concessão e nas portarias que homologam os preços. Conclui que o PIS e o COFINS são contribuições sociais que influenciam no preço líquido dos serviços e são considerados na composição da tarifa final. Já o ICMS e o IPI, são suportados diretamente pelo consumidor. Diz que a parte autora não comprovou o alegado repasse jurídico, eis que as faturas juntadas não fazem qualquer referência ao fato. Como não há repasse jurídico da cobrança, sustenta não haver ofensa ao CDC. Contesta também a imposição de inversão do ônus probatório e a obrigatoriedade de exibir documentos. Pede o acolhimento das preliminares e, vencidas estas, a improcedência da ação.
Houve réplica às fls. 63 a 69.
Relatados.
Passo a decidir.
O litígio versa sobre matéria exclusivamente de direito, possibilitando o julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I do Código de Processo Civil.
A partes litigam sobre a legalidade do repasse das contribuições sociais referentes ao PIS e COFINS, nos valores praticados pelos serviços conseqüentes da relação obrigacional estabelecida entre as partes. A autora pede a declaração de ilegalidade da prática e a repetição dos valores pagos.

PRELIMINAR
Falta de interesse de agir
Em sua contestação a requerida sustenta que a parte autora não comprovou os valores pagos indevidamente e sustenta a impossibilidade de abolir o repasse econômico da carga tributária incidente sob produtos e serviços, buscando provimento judicial divorciado do cabedal legislativo.
Tenho que deva ser afastada da preliminar. Mesmo que o pedido venha ser de condenação, uma vez reconhecida a ilegalidade da prática impugnada, os valores poderão ser apurados na liquidação de sentença, baseados nos dados informados pela própria requerida. Não se pode exigir do contratante dos serviços, na condição de consumidor, que domine a estrutura de composição do preço pago pelos serviços prestados.
Sobre a legalidade da cobrança, também articulada como motivação da preliminar, como é matéria notoriamente de mérito, deverá ser tratada no momento oportuno.
Rejeito, pois, a preliminar articulada.

MÉRITO
Prescrição
A requerida sustenta a aplicação do prazo prescricional de três anos, nos termos do art. 206, § 3° IV, do CCB. Ocorre que a regra invocada não se aplica ao caso. Aqui estamos tratando de pedido de restituição de verbas indevidamente repassadas, decorrentes de uma relação de consumo. A especificidade do dispositivo sinalizado pela parte requerida não engloba a matéria em comento. Aliás não há tampouco previsão no CDC sobre regramento especial de prescrição ao caso. Nestas circunstâncias é recorrente a aplicação da regra geral do Código Civil, contida no seu art. 205, que estabelece em dez anos na versão reduzida dos vinte anos regulados pela lei substantiva de 1916.

A questão de fundo deverá ser resolvida em desfavor da parte requerida. Firmo posição no sentido de considerar a absoluta ilegalidade do repasse das contribuições sociais do PIS e COFINS nas contas referentes aos serviços prestados por concessionárias. Decorre, a presente posição, da ausência de previsão legal que autorize as concessionárias de serviços público a adicionarem ao preço dos serviços as custas das contribuições ventiladas, consoante as ponderações que segue.

Inicialmente registre-se que o fato gerador das contribuições pautadas no processo é o faturamento ou a receita bruta mensal da pessoa jurídica, dado inicial que diferencia o PIS e COFINS do ICMS e IPI, estes têm como fato gerador o preço do serviço.
Na esteira desta constatação, decorre o raciocínio lógico de que não há incidência direta das contribuições, no sentido do consumidor não figurar como contribuinte, inferindo-se como impróprio o “repasse jurídico” do encargo, isso porque não se encontra autorização legislativa para o repasse, notadamente porque o contribuinte é o fornecedor ante a vinculação da base de cálculo com o valor do faturamento e não, como já dito, com o valor do serviço prestado.
A matéria está regulada nas Leis 10.637/03 (PIS) e 10.833/03 (COFINS), vejamos respectivamente:

Art. 1o A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. (grifei)

Art. 1o A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com a incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. (grifei)

E já foi enfrentada no Superior Tribunal de Justiça, cuja ementa assim preconiza:

PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. COBRANÇA DO PIS E DA COFINS NA FATURA TELEFÔNICA. ILEGITIMIDADE DA ANATEL. ACRÉSCIMO NA TARIFA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA. CDC. OFENSA. JUROS DE MORA. INAPLICABILIDADE DO ART. 167 DO CTN. NATUREZA NÃO-TRIBUTÁRIA.
1. Não se conhece do recurso em relação à ofensa ao art. 535, II, do CPC quando a parte deixa de apontar, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.
2. A ANATEL não tem legitimidade para figurar em ação que visa à devolução de valores acrescidos na fatura telefônica a título de repasse de PIS e COFINS.
3. É indevido o repasse do PIS e da COFINS na fatura telefônica, por ausência de expressa e inequívoca previsão na lei.
4. Tarifa líquida é aquela que exclui os impostos e contribuições incidentes na operação individualmente considerada.
5. O PIS e a COFINS, nos termos da legislação tributária em vigor, não incidem sobre a operação individualizada de cada consumidor, mas sobre o faturamento global da empresa.
6. O fato de as receitas obtidas com a prestação do serviço integrarem a base de cálculo dessas contribuições – faturamento mensal – não pode ser confundido com a incidência desses tributos sobre cada uma das operações realizadas pela empresa.
7. Essas receitas também compõem a base de cálculo do Imposto de Renda e da Contribuição Social Sobre o Lucro, já que, após as deduções legais, constituirão o lucro da empresa. Nem por isso se defende que a parcela do IRPJ e da CSLL relativa a uma determinada prestação de serviço seja adicionada ao valor da tarifa.
8. Somente o ICMS, por expressa disposição legal, deve ser objeto de destaque e cobrança na fatura, repassando-se diretamente o ônus ao assinante.
9. O repasse indevido do PIS e da COFINS na fatura telefônica configura “prática abusiva” das concessionárias, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, pois viola os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, valendo-se da "fraqueza ou ignorância do consumidor" (art. 39, IV, do CDC).
10. O acréscimo indevido na tarifa não tem natureza tributária, ainda que a concessionária afirme que se trata de mero repasse de tributos. Inaplicabilidade do art. 167 do CTN.
11. Recurso Especial não provido.
(REsp 1053778/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 30/09/2008)

Como se pode observar, a prática da requerida ao repassar os encargos aos consumidores, rompe com o princípio da legalidade, violando direito dos milhares pessoas e empresas que estabelecem vínculos obrigacionais inerentes a exploração econômica concedida.
O mesmo entendimento está sendo adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, como se observa:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO RETIDO. ANATEL. ILEGITIMIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ILEGALIDADE Do repasse DO PIS E DA COFINS SOBRE SERVIÇOS DE TELEFONIA. NÃO OCORRÊNCIA DA DECadência e da prescrição. cessação da cobrança do pis e cofins. juros moratórios contados da citação. repetição do indébito na forma simples. verba honorária mantida.
I. A ANATEL não detém legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, porquanto não integra a relação jurídica contratual havida entre as partes litigantes.
II. Conseqüência lógica da não-inclusão da ANATEL na demanda é a inexistência de situação que atraia a competência da Justiça Federal. Competência da Justiça Estadual.
II. Ilegalidade do repasse das contribuições sociais do PIS e da COFINS nas contas referentes aos serviços de telefonia prestados pelas concessionárias, porquanto ausente qualquer espécie de previsão legal a possibilitar que as operadoras de serviço telefônico cobrem dos consumidores adicional referente às contribuições em apreço. Precedente do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal de Justiça.
IV. Inocorrência da decadência e prescrição na hipótese dos autos.
V.Determinação de Cessação da cobrança do PIS e da COFINS.
VI. Não se tratando, na espécie, de prática de ilícito extracontratual, mas sim contratual, inaplicável o art. 398 do Código Civil e a Súmula 54 do STJ, devendo os juros de mora incidir a partir da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil.
VI. Ausente o dolo, indevida a devolução em dobro a que alude o art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
VII. Verba honorária mantida, uma vez que fixada em consonância com o disposto no §4º, do art. 20 do CPC.
AGRAVO RETIDO E APELO DA RÉ DESPROVIDOS.
APELO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO.
(Apelação Cível nº: 70025516139 - DES. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, Relator.)

Como visto, a inclusão do valor correspondentes as contribuições resulta no repasse indevido ao consumidor de tributos cuja a responsabilidade originária é da concessionária. Infere-se daí uma ilegalidade e a necessidade de repedir o indébito.

EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS
A requerente postula cumulativamente a exibição de documentos, com o objetivo de apurar os valores que pagou. O pedido procede porque consiste em um direito do consumidor em ter conhecimento dos valores que está desembolsando juntamente com o preço que remunera os serviços contratados. Como tais valores não estão especificados nas contas e faturas emitidas pela ré, mister que as informações sejam fornecidas. Trata-se de uma obrigação legal que se decorrente do juízo de procedência da presente ação, exigindo a apuração dos valores que deverão ser restituídos.

Diante o exposto, JULGO PROCECEDENTE a ação movida por GERTA KAFER em face de BRASIL TELECOM S.A., para:
DECLARAR a ilegalidade do repasse do PIS e COFINS, determinando que a cesse imediatamente a inclusão dos valores na nota fiscal, fatura ou conta da parte autora,
CONDENAR a requerida a restituir todos os valores repassados, contados dos dez anos que antecederam o ajuizamento da presente demanda, acrescidos de correção monetária pelo IGPM computada dos respectivos pagamentos e juros de mora de 0,5% ao mês no período de vigência do CCB/1916, e de 1% ao mês desde então.
DETERMINAR que a requerida exiba as faturas do período da condenação com os valores a serem restituídos devidamente especificados no prazo de 15 dias sob pena de multa diária de R$ 200,00.
Condeno a parte requerida nas custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 20% sobre o valor da condenação, consoante o art. 20, §3º, do Código de Processo Civil. Saliento que, em caso de não haver interposição de recurso pela parte ré, tal percentual será reduzido pela metade (10%), desde que promovido o pagamento voluntário da condenação, em 15 dias após o trânsito em julgado. Não se está, com tal decisão, impedindo qualquer recurso ou defesa por parte da requerida, mas tão somente estimulando as partes a avaliarem o custo-benefício de interpor um recurso, bem como incentivar o cumprimento espontâneo das decisões.
Regularize a requerida a representação processual.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Porto Alegre, 17 de abril de 2009.



João Ricardo dos Santos Costa,
Juiz de Direito

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