O que justifica um relacionamento entre duas ou mais pessoas?
O afeto ? A segurança ? O medo do futuro ? O dinheiro ?
Todos sabemos que o dinheiro foi criado para ser moeda de
troca, um instrumento para facilitar as transações comerciais. Todavia, ele
está cada vez mais presente nos relacionamentos afetivos, uma vez que tendemos
a pagar não apenas por bens materiais e serviços: pagamos ou tentamos comprar
também os aspectos subjetivos de uma relação, como a afeição, o tempo, a culpa,
o desejo. E pagamos com dinheiro ou com a retirada dele.
Assim, os relacionamentos se tornam cada vez mais
contratualistas: quanto antes se falar e
se definir o uso do dinheiro no início do relacionamento, menos se falará ao
final dele, alguns creem.
Entre os vários formatos possíveis de relacionamento, o
casamento ainda se mantém como o mais tradicional e que mais segurança
patrimonial oferece aos cônjuges. Mas o namoro e a união estável se mostram os
formatos de relacionamento mais adotados atualmente entre os casais hétero ou
homossexuais, sendo tênue a linha que define um tipo de outro.
Em tese, nossa legislação permite que qualquer relacionamento
amoroso, independentemente do tempo de duração, seja convertido em união
estável. Não dispondo a lei em sentido contrário, fica exclusivamente a cargo
do Juiz a análise da existência dos elementos fáticos para constituir a união
estável: se a relação é pública, contínua e duradoura e se o objetivo é a
constituição de família.
Em decorrência disso, torna-se cada vez mais popular um
documento (contrato) firmado entre duas pessoas que não querem que sua relação
seja considerada união estável e, portanto, sofra seus reflexos patrimoniais: o
“CONTRATO DE NAMORO”.
O contrato, no formato que o conhecemos hoje, originou-se no
final da Idade Média sob a forte influência do capitalismo e da circulação de
riquezas e com a valorização da liberdade individual de ajustar, mesmo que
observado e delimitado por uma perspectiva social. Assim, um contrato pode ser
simplesmente definido como um encontro de vontade das partes, através do qual
regulamentam seus mútuos interesses e visam modificar, adquirir ou extinguir
direitos.
Para que possuam validade, porém, os contratos devem conter
alguns requisitos básicos (tanto subjetivos como objetivos): entre eles a
capacidade de contratar, vontade livre e consciente, licitude, determinação e
possibilidade física ou jurídica do
objeto e forma prevista ou não proibida em lei. Assim, o contrato pode
ter seu formato estipulado livremente pelas partes, desde que a lei não exija
forma especial.
Conceituado o contrato e sua forma, importante é entender os
dois tipos de relacionamento que o documento tratado no texto pretende
distinguir.
A união estável
está definida pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96 e pelo art. 1.723 do Código Civil,
sendo essencialmente exigida para sua configuração a intenção de constituir
família. E sempre é bom lembrar que o conceito de “família” foi ampliado, sendo
assim reconhecida com base no elo de afetividade que une seus integrantes.
O namoro, segundo
o dicionário Houaiss, é verificado quando “duas pessoas têm um relacionamento
amoroso em que a aproximação física e psíquica, fundada numa atração recíproca,
aspira à continuidade”.
Assim, o namoro não se enquadra no conceito de entidade
familiar, mas é tão somente expectativa futura que daí surja uma família, numa
autêntica escalada de afeto, que parte do encontro inicial para se tornar (ou
não) um relacionamento mais forte. O namoro é definido tão somente pelos
requisitos morais definidos pela sociedade e pelos costumes da época e lugar,
não possuindo definições legais.
Sendo semelhantes na inexistência de prazo mínimo e
coabitação para sua caracterização, inexistência ou não de relações sexuais, o único requisito para diferenciar um
namoro de união estável é a constituição de família. No namoro, não há
comunhão de vida, há apenas o objetivo de constituição de família futura,
enquanto na união estável esta família já existe, já há uma comunhão plena de
vidas.
O namoro não gera direitos e obrigações, enquanto a união
estável gera entre os companheiros os deveres de lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos, a exemplo do
casamento.
O contrato de namoro, então, surge como uma alternativa para
resguardar o casal que tem um relacionamento amoroso sem os efeitos
(principalmente patrimoniais) da união estável, eis que torna os patrimônios
incomunicáveis.
Ainda polêmico entre os doutrinadores do direito, os
contrários à celebração do “Contrato de Namoro” o conceituam como “regulador do
amor”, afirmam-se céticos em relação à sua lavratura, consideram que até mesmo
as relações afetivas perderam a espontaneidade e que originou um verdadeiro “temor
ao amor”, que se concretiza pelo medo e falta de confiança entre os indivíduos.
Afirmam ainda que este documento não possui valor jurídico algum, a não ser a
de declaração de singela relação afetiva. Alguns ainda pregam que o contrato
pode representar uma fonte de enriquecimento ilícito, diante da ampla
possiblidade de relativização do regime de bens nas uniões prolongadas.
Já os defensores da existência do Contrato de Namoro o caracterizam
como plenamente válido, desde que expresse vontade livre e consciente das
partes e não seja firmado para fraudar à eventual partilha de bens – hipótese
em que, se confirmada a fraude, o contrato perderá sua validade, aplicando-se
as regras da união estável para todos os efeitos. As normas que regem a união
estável têm “caráter público e indisponível”, ou seja: não podem ser
simplesmente “negociadas” entre as partes.
O Contrato de Namoro pode ser formalizado sem maiores
dificuldades: as partes, devidamente identificadas, comparecem a um Tabelionato
de Títulos e Documentos e declaram, sob as penas da lei, a expressa renúncia ao
interesse de constituir família e o prazo de duração. Ressalte-se que o prazo
de duração é requisito indispensável para se evitar a evolução para união
estável. Portanto, o contrato deve ser continuamente renovado entre o casal,
que assim demonstrarão de forma pública que ainda não há o interesse de
constituir família, portanto o namoro ainda não evoluiu para união estável.
Caso o namoro termine antes do prazo previsto, o cartório em
que o documento foi lavrado deve ser comunicado, para que seja realizada a
devida averbação. Da mesma forma, se o namoro se transformou em união estável,
recomenda-se que o casal providencie a confecção da “Declaração de União
Estável”.
A ligação amor x sexo x dinheiro ainda rende muitas polêmicas
– para alguns, são assuntos tabus – como já foi o sexo, em tempos passados.
Entendo que o “falar sobre” sempre é saudável e quanto mais se discorre sobre
um assunto menos polêmico ele se transforma eis que, segundo as palavras do psicanalista
Jorge Forbes: “[...] As necessidades se resolvem na planilha, mas os desejos,
não".
Debora Candida Spagnol
Advogada
Advogada
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