A polêmica afirmativa acima foi escrita
pelo Desembargador paraibano José Ricardo Porto ao julgar um recurso interposto
no bojo de uma Ação de Divórcio Litigioso através do qual a ex-mulher buscava o
aumento do valor dos alimentos provisórios. Em suas razões, a mulher argumentou que além
do ex-marido ostentar condição financeira privilegiada, ela estava a longos
anos fora do mercado de trabalho, não concluiu os estudos em razão de ter se
dedicado exclusivamente à família e aos negócios e sempre dependeu
financeiramente do marido.
Na decisão, o Desembargador disse
enteder que “o marido
não é órgão previdenciário, por isso a concessão de alimentos, após a ruptura
do matrimônio, deve ser fixada com parcimônia, de modo a impedir que o
casamento se torne uma profissão”. O voto foi acompanhado à unanimidade pela
Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que fixou então alimentos
provisórios no valor de um salário mínimo à ex-mulher no valor e pelo prazo
determinado de seis meses.
Embora a decisão, lastreada por frases de tom jocoso do
Desembargador tenham causado alvoroço nas redes sociais quando divulgadas, não
se pode ignorar que ela sé um reflexo da emancipação feminina – conquista árdua
em benefício das mulheres mas que certamente traz em seu bojo situações nem
sempre vantajosas, embora justas.
A obrigação de prestar alimentos a ex-cônjuges está expressa
no artigo 1.694 do Código Civil e é recíproca: tanto o homem quanto a mulher podem
ser condenados ao pagamento de determinado valor a título de pensão alimentícia,
considerando-se os critérios necessidade x possibilidade. Atualmente, portanto,
os alimentos tem a finalidade de conceder ao separando uma possibilidade de
sobrevivência digna até que possa reorganizar sua vida após a separação.
Nos tempos em que a mulher dependia financeira e emocionalmente
do homem e ainda se buscavam culpados pelo fracasso do casamento, o pagamento
da pensão alimentícia às ex-cônjuges (geralmente as beneficiárias eram as ex-esposas)
configurava-se obrigatório, restringindo-se a discussão aos valores que seriam
pagos.
Ao assumir uma nova postura perante a sociedade e exercer sua
liberdade de escolha de ter ou não filhos – o que ocorreu com a invenção da
pílula anticoncepcional – a mulher passou a não se limitar aos papéis de esposa
e mãe, mas buscar realização pessoal no mercado de trabalho, nas artes, nas
academias, nas associações.
Desempenhando múltiplas profissões e de forma igualitária ao
homem, a mulher se tornou peça importante no mercado de trabalho, que hoje já
não se sustenta sem sua contribuição. E a remuneração pelo seu exercício
profissional já é fatia essencial da renda das famílias, sendo que em muitos lares
as mulheres representam a única fonte de renda - pesquisas indicam que 38,7%
das famílias brasileiras são sustentadas por elas, que são diretamente
responsáveis pela manutenção de si e dos seus filhos. (1)
O Superior Tribunal de Justiça adota a obrigação alimentar
aos ex-cônjuges como uma exceção à regra, determinando sua concessão apenas
quando configurada a dependência do outro ou a carência de assistência alheia.
Essa dependência é questão individual, devendo ser analisada cada situação de
acordo com as provas que as partes trouxeram ao processo, até mesmo como forma
de diminuir o fosso existente entre a lei e o contexto social. O julgador levará
em consideração, principalmente, a realidade social vivenciada pelo casal ao
longo da união e as condições que o alimentando tem em providenciar seu próprio
sustento.
Como exemplo, se uma mulher já exerce atividade laborativa ou
detém plenas condições de inserção no mercado de trabalho (é razoavelmente
jovem, saudável e apta a trabalhar) ou, ainda, tem plenas condições de
progredir na profissão que escolheu, a decisão acerca do pedido de alimentos do
ex-cônjuge levará em consideração esses fatores, tendendo sempre a exonerar o
pagador de alimentos, mesmo que seja a longo prazo, do encargo de sustento por
tempo indeterminado.
Uma das justificativas a amparar as decisões no sentido de
desoneração de alimentos é justamente aquela utilizada pelo Desembargador
citado no início do texto: quem recebe alimentos não pode manter-se inerte em
relação ao seu desenvolvimento pessoal e como força de trabalho, devendo buscar
sua própria subsistência, ao invés de deixar ao ex-cônjuge a eterna obrigação
de lhe fornecer sustento.
Logicamente quando quem necessita de alimentos está total e
permanentemente incapacitado para o trabalho (por doença própria) ou quando se
verificar impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho (quando o
credor de alimentos tem sob sua responsabilidade pessoa que necessite cuidados
em tempo integral, por exemplo), os alimentos hão de ser concedidos de forma
incessante e vitalícia. E essas são as duas únicas exceções à regra da
temporalidade dos alimentos (REsp 1.188.399), sendo que nos demais casos,
quando efetivamente necessários, os alimentos serão pagos durante um prazo
determinado pelo juiz.
Há decisões que entendem como enriquecimento sem causa a
continuidade de recebimento de pensão alimentícia por ex-cônjuge que já refez
sua vida profissional ou formou novo relacionamento e pretende continuar
recebendo alimentos do ex-cônjuge. Nesse caso, quem paga alimentos deve pedir o
encerramento de sua obrigação mediante o ajuizamento de ação de exoneração de
alimentos. Mas somente o trânsito em julgado da decisão proferida na ação
exoneratória interrompe o pagamento dos alimentos.
Importante é observar que se na separação um dos cônjuges
expressamente renunciou aos alimentos, no futuro não poderá requerer o
pagamento de tais valores, subentendendo-se que no acordo formalizado já se
priorizou o equilíbrio e razoabilidade na divisão patrimonial, não merecendo
qualquer revisão neste sentido.
A desobrigação de pensionamento a ex-cônjuge, cabe ressaltar,
não atinge somente as mulheres enquanto credoras: o inverso também é
verdadeiro, sendo a mulher desobrigada de eventual pagamento de alimentos ao
ex-marido, a não ser nos casos especificados em lei. Isso porque a Constituição
Federal de 1988 e o Código Civil de 2003 equiparam homens e mulheres em
direitos e obrigações, eliminando qualquer diferenciação possível em virtude de
sexo.
Considero saudável tal modificação legislativa e
jurisprudencial, já que as mulheres têm reconhecida capacidade e competência
profissional, são maioria nas faculdades do país e formam a maior parte dos
eleitores nacionais, não sendo mais o casamento a única (ou mais predominante)
forma de constituição de núcleo familiar.
O casamento, a exemplo de tantos outros, é um contrato de
sociedade. Não há contratos eternos e por, raciocínio lógico, não se podem
admitir obrigações eternas, mesmo que advindas de uma promessa que traz em si
um compromisso de continuidade: ´até que
a morte nos separe´.
1 – Pesquisa completa no link: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/05/mulheres-comandam-40-dos-lares-brasileiros
Por Debora C. Spagnol
Advogada
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