terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

ALIMENTOS A EX-CÔNJUGES: TEMPORÁRIOS, PORQUE “MARIDO NÃO É PREVIDÊNCIA”


A polêmica afirmativa acima foi escrita pelo Desembargador paraibano José Ricardo Porto ao julgar um recurso interposto no bojo de uma Ação de Divórcio Litigioso através do qual a ex-mulher buscava o aumento do valor dos alimentos provisórios.  Em suas razões, a mulher argumentou que além do ex-marido ostentar condição financeira privilegiada, ela estava a longos anos fora do mercado de trabalho, não concluiu os estudos em razão de ter se dedicado exclusivamente à família e aos negócios e sempre dependeu financeiramente do marido.

Na decisão, o Desembargador disse enteder que “o marido não é órgão previdenciário, por isso a concessão de alimentos, após a ruptura do matrimônio, deve ser fixada com parcimônia, de modo a impedir que o casamento se torne uma profissão”. O voto foi acompanhado à unanimidade pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, que fixou então alimentos provisórios no valor de um salário mínimo à ex-mulher no valor e pelo prazo determinado de seis meses.

Embora a decisão, lastreada por frases de tom jocoso do Desembargador tenham causado alvoroço nas redes sociais quando divulgadas, não se pode ignorar que ela sé um reflexo da emancipação feminina – conquista árdua em benefício das mulheres mas que certamente traz em seu bojo situações nem sempre vantajosas, embora justas.

A obrigação de prestar alimentos a ex-cônjuges está expressa no artigo 1.694 do Código Civil e é recíproca: tanto o homem quanto a mulher podem ser condenados ao pagamento de determinado valor a título de pensão alimentícia, considerando-se os critérios necessidade x possibilidade. Atualmente, portanto, os alimentos tem a finalidade de conceder ao separando uma possibilidade de sobrevivência digna até que possa reorganizar sua vida após a separação.

Nos tempos em que a mulher dependia financeira e emocionalmente do homem e ainda se buscavam culpados pelo fracasso do casamento, o pagamento da pensão alimentícia às ex-cônjuges (geralmente as beneficiárias eram as ex-esposas) configurava-se obrigatório, restringindo-se a discussão aos valores que seriam pagos.

Ao assumir uma nova postura perante a sociedade e exercer sua liberdade de escolha de ter ou não filhos – o que ocorreu com a invenção da pílula anticoncepcional – a mulher passou a não se limitar aos papéis de esposa e mãe, mas buscar realização pessoal no mercado de trabalho, nas artes, nas academias, nas associações.

Desempenhando múltiplas profissões e de forma igualitária ao homem, a mulher se tornou peça importante no mercado de trabalho, que hoje já não se sustenta sem sua contribuição. E a remuneração pelo seu exercício profissional já é fatia essencial da renda das famílias, sendo que em muitos lares as mulheres representam a única fonte de renda - pesquisas indicam que 38,7% das famílias brasileiras são sustentadas por elas, que são diretamente responsáveis pela manutenção de si e dos seus filhos. (1)

O Superior Tribunal de Justiça adota a obrigação alimentar aos ex-cônjuges como uma exceção à regra, determinando sua concessão apenas quando configurada a dependência do outro ou a carência de assistência alheia. Essa dependência é questão individual, devendo ser analisada cada situação de acordo com as provas que as partes trouxeram ao processo, até mesmo como forma de diminuir o fosso existente entre a lei e o contexto social. O julgador levará em consideração, principalmente, a realidade social vivenciada pelo casal ao longo da união e as condições que o alimentando tem em providenciar seu próprio sustento.

Como exemplo, se uma mulher já exerce atividade laborativa ou detém plenas condições de inserção no mercado de trabalho (é razoavelmente jovem, saudável e apta a trabalhar) ou, ainda, tem plenas condições de progredir na profissão que escolheu, a decisão acerca do pedido de alimentos do ex-cônjuge levará em consideração esses fatores, tendendo sempre a exonerar o pagador de alimentos, mesmo que seja a longo prazo, do encargo de sustento por tempo indeterminado.

Uma das justificativas a amparar as decisões no sentido de desoneração de alimentos é justamente aquela utilizada pelo Desembargador citado no início do texto: quem recebe alimentos não pode manter-se inerte em relação ao seu desenvolvimento pessoal e como força de trabalho, devendo buscar sua própria subsistência, ao invés de deixar ao ex-cônjuge a eterna obrigação de lhe fornecer sustento.

Logicamente quando quem necessita de alimentos está total e permanentemente incapacitado para o trabalho (por doença própria) ou quando se verificar impossibilidade prática de inserção no mercado de trabalho (quando o credor de alimentos tem sob sua responsabilidade pessoa que necessite cuidados em tempo integral, por exemplo), os alimentos hão de ser concedidos de forma incessante e vitalícia. E essas são as duas únicas exceções à regra da temporalidade dos alimentos (REsp 1.188.399), sendo que nos demais casos, quando efetivamente necessários, os alimentos serão pagos durante um prazo determinado pelo juiz.

Há decisões que entendem como enriquecimento sem causa a continuidade de recebimento de pensão alimentícia por ex-cônjuge que já refez sua vida profissional ou formou novo relacionamento e pretende continuar recebendo alimentos do ex-cônjuge. Nesse caso, quem paga alimentos deve pedir o encerramento de sua obrigação mediante o ajuizamento de ação de exoneração de alimentos. Mas somente o trânsito em julgado da decisão proferida na ação exoneratória interrompe o pagamento dos alimentos.

Importante é observar que se na separação um dos cônjuges expressamente renunciou aos alimentos, no futuro não poderá requerer o pagamento de tais valores, subentendendo-se que no acordo formalizado já se priorizou o equilíbrio e razoabilidade na divisão patrimonial, não merecendo qualquer revisão neste sentido.

A desobrigação de pensionamento a ex-cônjuge, cabe ressaltar, não atinge somente as mulheres enquanto credoras: o inverso também é verdadeiro, sendo a mulher desobrigada de eventual pagamento de alimentos ao ex-marido, a não ser nos casos especificados em lei. Isso porque a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2003 equiparam homens e mulheres em direitos e obrigações, eliminando qualquer diferenciação possível em virtude de sexo.

Considero saudável tal modificação legislativa e jurisprudencial, já que as mulheres têm reconhecida capacidade e competência profissional, são maioria nas faculdades do país e formam a maior parte dos eleitores nacionais, não sendo mais o casamento a única (ou mais predominante) forma de constituição de núcleo familiar.

O casamento, a exemplo de tantos outros, é um contrato de sociedade. Não há contratos eternos e por, raciocínio lógico, não se podem admitir obrigações eternas, mesmo que advindas de uma promessa que traz em si um compromisso de  continuidade: ´até que a morte nos separe´.



Por Debora C. Spagnol
Advogada 

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